Ninguém quer morrer, é definitivo demais. Mas também ficar e ver a pessoa que você mais ama partir não parece uma boa opção. Não seria muito mais fácil para quem vai e para quem fica se nós não criássemos vínculos? Se não nos apegássemos às pessoas, objetos, lugares e vivêssemos e morrêssemos sem olhar para trás?
Às vezes eu me perguntava quem é que sofre mais: a mãe que morreu ou os filhos, os pais e marido que continuam vivos. A cada nova conclusão, eu desviava minha piedade a uma pessoa diferente. E, enquanto todos diziam “coitada da Isadora, ela acaba de perder a mãe”, eu pensava: coitado do porteiro, da minha avó, da empregada doméstica, do amigo da fulana. E era assim que eu me esquecia da minha própria dor, ajudando quem parecia pior do que eu.
Esse fim de semana eu viajei com uma grande amiga que também perdeu a mãe recentemente. Há muito de mim nela, e muito dela em mim: mesma paixão pela escrita, mesmo interesse por cinema, mesma vontade de mudar o mundo. Eu me vi nela, como a um espelho, e acho que ela também se viu em mim, nem que seja no fio de cabelo cacheado que eu também tenho.
Domingo tarde seu pai nos levou a uma cachoeira. No carro ouvíamos “first cut”, de Cat Stevens. Num dado momento, ela desceu para abrir o portão da fazenda e voltou bem no refrão: “baby I'll try to love again”, que seu pai cantava a toda altura. Ele abriu o maior sorrisão quando ela entrou de novo no carro. Aquilo era felicidade plena. Sabe aquele sorriso de pai orgulhoso? Ele já não precisava tentar amar de novo. Tudo que ele mais amava no mundo estava bem ali na sua frente: aquela menina linda, inteligente e determinada que ele mesmo fez.
Foi um daqueles momentos mágicos em que a música que a gente está ouvindo se encaixa perfeitamente, como uma espécie de narração. Lágrimas envergonhadas desceram pelo meu rosto. Era ela ou era eu? Era meu pai quem dirigia? Estou vendo um filme sobre a minha vida?
E foi então que eu entendi que não existe essa história de “quem sofre mais”. Todo mundo sofre, cada do seu jeito. Ninguém vai substituir o vazio de quem perdeu a mãe, a irmã, a filha ou a mulher. E que bom que é assim. Que bom que não há uma Isadora Genérica que se compra na farmácia para me substituir quando eu morrer. Somos todos autênticos à nossa maneira.
E quer saber? Ainda bem que as pessoas criam laços, têm filhos e formam famílias. Já pensou que insignificante seria a nossa existência se não estabelecêssemos vínculo nenhum? O único jeito da gente se fazer presente depois de partir é na lembrança quem amamos. E é por isso que, em meio a esse caos que é vida, um pai poderá sempre olhar para a filha e ver nela tudo que ele precisa.
Naquela noite, voltei para casa e meu pai me recebeu com um sorrisão orgulhoso no rosto.
que coisa linda de se ler!
ResponderExcluirlindo demais!
isa, muito querida, você é mesmo maravilhosa e poderosa. que bom!
ResponderExcluirObrigada, queridas!
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