sábado, 4 de fevereiro de 2012

As Helenas da vida

Mostrei uma foto da minha mãe a minha fisioterapeuta e ela disse, sem pensar duas vezes: “Nossa, como a sua mãe era linda! Você deve ter puxado seu pai”. Eu comecei a rir, e ela, ao perceber a gafe que cometera, logo tratou de se retratar: “Quero dizer, puxou o tom de pele dele e a cor dos olhos!”.
Não, eu não puxei os olhos azuis da minha mãe, nem a pele clara, nem os cabelos louros. Mas sabe de uma coisa? Isso nem de longe é um problema. Eu herdei coisas muito, mas muito mais importantes do que tudo isso: o senso de humor, a capacidade de se reerguer mesmo quando a vida dá aquela rasteira na gente, a compaixão pelos outros, a determinação para alcançar meus objetivos entre tantas outras qualidades notáveis da minha mãe.
Não, eu não tenho perfil de mocinha indefesa. Uma agulhada no dedo nunca me faria dormir por 100 anos, uma maçã envenenada não me derrubaria e eu não sou do tipo que fica esperando o príncipe encantado me beijar para acabar com meu feitiço. Minha mãe me ensinou a correr atrás dos meus interesses, porque só a gente sabe dar a devida atenção a eles.
Algumas pessoas nascem Hérmias de “Sonho de uma Noite de Verão”, aquela pela qual todos os mocinhos se apaixonam. E outras nascem Helenas, a personagem atrapalhada que sempre se interessa pelo cara errado. Não quero namorar um Ken da Barbie, cheio de gel no cabelo, roupas de couro e o carro do ano.
No teatro da vida, sinto um prazer enorme em interpretar a melhor amiga estabanada da protagonista, aquela que sempre se mete nas maiores roubadas e ri de si mesma junto com a plateia, porque sei que todos os papeis são igualmente importantes, sejam eles protagonistas, coadjuvantes, figurantes, diretores ou contrarregras. Cada um contribui à sua maneira para que o resultado final valha a pena ser vivido.


Minha pipa lá no céu

Dezembro de 2011 foi o caos: mãe terminalmente doente, provas escolares, vestibulares, enfermeiros em casa, vovó materna que decidiu acampar no meu quarto. O cenário não era nos melhores. É impossível se concentrar nos estudos sabendo que, no quarto ao lado, sua mãe chora de dor. É impossível se concentrar na sua mãe que chora de dor sabendo que, no quarto ao lado, milhares de folhas de cadernos precisam ser lidas e memorizadas para ontem.
Eu estava lá, com o corpo tentando me manter em pé numa casa movediça e a mente vagando bem longe dali. Longe do sofrimento da minha mãe, da eletrólise de química e das múltiplas escolhas. Na minha cabeça eu sonhava com um cantinho só meu. Nada muito grande, eu queria um espaço que coubesse eu e mais ninguém.
Sonhar era tudo que eu podia fazer para esquecer o caos. Eu era como aquele menino que contempla a sua pipa lá longe no céu e, nesse momento, esquece que está descalço no chão imundo, esquece do frio, da fome, da solidão e da dor. Só existiam a pipa e ele, eu e meus sonhos.
Quantas vezes eu me culpei por não me dedicar 100% ao colégio, ao vestibular e, principalmente, à minha mãe! Mas hoje eu vejo que foram justamente esses devaneios que me impediram de afundar na areia movediça sob meus pés.
Agora que a minha vida entrou nos eixos de novo, não sonho mais com um canto só meu. Sonho com a casa ampla para a qual me mudarei com meu irmão e meu pai. Nessa casa cabe a minha avó (e eu juro que nem vou mais me importar se ela acampar no meu quarto), cabem todos os meus amigos e cabe a minha mãe também, que continua presente nos móveis que ela comprou, nas roupas que ela escolheu, nos quadros que ela emoldurou e nas lembranças que cultivamos com amor.
Essa pipa que eu empino hoje é muito mais importante do que aquela de quando eu sonhava com um quartinho só pra mim, porque ela voa, mas eu sei que a hora de puxá-la e trazê-la de volta para mim não tardará a chegar.