16/12/2011 (o texto é antigo, mas eu só tive coragem de postar agora...)
Ontem ao acordar, corri para conferir o ranking da PUC,
que havia sido postado de madrugada. Liguei o computador, pluguei os cabos na
internet, abri o navegador, digitei o link do site, minha senha e meu número de
inscrição. De dedos cruzados, vi uma página com meus dados surgir na tela.
Descendo mais um pouco a barra de rolamento, espanto: minha nota vinha ao lado
da frase: Primeiro Lugar. Nunca duas palavrinhas ficaram tão bem juntas.
Não consegui conter a alegria. Como assim primeiro
lugar? Como não havia ninguém melhor do que eu fazendo a prova? Eu consegui uma
bolsa integral na melhor e mais cara faculdade particular do Rio de Janeiro??!!
EU CONSEGUI UMA BOLSA INTEGRAL NA MELHOR E MAIS CARA FACULDADE PARTICULAR DO
RIO DE JANEIRO!!!
Primeiro impulso (tenho que me acostumar com a
palavra “primeiro” na minha vida): Contar para a minha mãe.
Sonho: minha mãe está de pé, colocando a mesa do
café da manhã. Ela olha para mim e logo percebe o que me trouxe ali. “Eu sabia
que você conseguiria!!”, ela diz, enquanto me dá um abraço apertado. Talvez
atraídos pelo cheiro de pão fresquinho, talvez por pressentirem a boa notícia
no ar, minha avó e meu irmão juntam-se a nós e todos comemoramos.
Realidade: Chego na sala e minha mãe está deitada
no sofá, com cara de dor. Ela mal consegue respirar com sua máquina de oxigênio
devido aos tumores que comprimem seus órgãos. Uma tristeza enorme toma conta de
mim. Mas no coração onde cabe dor, cabe também alegria. “Não posso menosprezar
a minha conquista!” – penso.
-Mãe, adivinha quem tirou 1º lugar para geografia
na PUC...– dou um tempo para ela computar a informação... – EU!!!
Ela leva alguns segundos para absorver o que
acabara de ouvir, depois abre um sorrisão e seus olhos se enchem de lágrimas.
As lágrimas descem em cascata. A cascata vem seguida de um soluço engasgadode
quem quase não respira. Ela estava engasgada de verdade!
Minha avó veio correndo. “O QUE HOUVE, MEU DEUS?! O
QUE VOCÊ FEZ COM A SUA MÃE?!”
-Nada, vó, eu só avisei que EU TIREI 1º LUGAR NA
PUC!– olhei para ela, esperando os parabéns. Mas ao invés de um abraço apertado
e congratulações, eu recebi uma baita bronca:
-Como é que você
avisa uma coisa dessas para a sua mãe? Não sabe que ela não pode ter emoções
fortes? Olha só como ela está agora! – nós duas a olhamos. Estava vermelha de
choro e falta de ar – Calma, minha filha, não se desespere! – e, olhando para
mim - Faça alguma coisa! Vá buscar um copo d’água!
Não era exatamente essa reação que eu
esperava...
É certo que eu me sinta feliz pelo meu resultado
mesmo com a minha mãe doente? Eu sou insensível? Ah... Não posso chorar o tempo
todo. Alguma alegria eu preciso ter! É justo SIM que eu comemore a minha
conquista! Afinal, ela reflete uma vida escolar inteira de dedicação e
comprometimento. Agora eu não posso querer compartilhar essa boa notícia com a
minha mãe, pessoa que sempre me ajudou e apoiou? Negativo. O mérito é dela
também.
Minha avó me olhou como quem diz: “você vai ficar
aí parada?”
Foi a vez das lágrimas brotarem dos meus olhos e escorrerem pelo meu rosto. Mas se nem a felicidade eu
posso compartilhar, quanto mais a tristeza. Achei melhor sair do cômodo antes
que percebessem. Fui ao banheiro, liguei o chuveiro e deixei as lágrimas se
misturarem ao jato d’água quente.
O banho me animou um pouco, mas não o suficiente
para eu esquecer a mágoa do meu coração. Passei a tarde para baixo. Que merda
de avó é essa que nem sabe parabenizar a neta? E pior: do que adianta um 1º
lugar se eu sou impotente diante do que está acontecendo com a minha mãe?Eu
superestimo todo mundo. Minha avó não é a Dona Benta, e sim uma velha
insensível e paranoica. E eu sou só uma garota que se acha demais por ter feito
vestibular com pessoas mais burras que ela.
Minha mãe está doente e eu quis roubar a atenção
para mim. Eu tenho nojo de mim.
Minha mãe está doente e eu quis roubar a atenção
para mim. Eu tenho nojo de mim.
Minha mãe está doente e eu quis roubar a atenção
para mim. Eu tenho nojo de mim.
Minha mãe está doente e eu quis roubar a atenção
para mim. Eu tenho nojo de mim.
Minha mãe está doente e eu quis roubar a atenção
para mim. Eu tenho nojo de mim.
Minha mãe está doente e eu quis roubar a atenção
para mim. Eu tenho nojo de mim.
Minha mãe está doente e eu quis roubar a atenção para
mim. Eu tenho nojo de mim.
Minha mãe está doente e eu quis roubar a atenção
para mim. Eu tenho nojo de mim.
Minha mãe está doente e eu quis roubar a atenção
para mim. Eu tenho nojo de mim.
Minha mãe está doente e eu quis roubar a atenção
para mim. Eu tenho nojo de mim.
Depois do banho, ainda me sentindo culpada, fui
para o meu quarto, me deitei e esperei o sono vir, mas o aparelho de oxigênio
da minha mãe soava como um helicóptero na sala, espantando qualquer perspectiva
de soneca.
Eu tirei 1º lugar na faculdade e não tenho ninguém
para comemorar comigo. Estou sozinha no mundo.
De repente, ouço a voz embargada da minha mãe me
chamar. Vou até a sala. Recuperada do susto, ela me recebe de braços abertos e
diz “estou muito orgulhosa de você”. Foi tão maravilhoso ouvir aquilo que toda
a culpa foi embora e eu chorei lágrimas de felicidade, as primeiras em muito
tempo. Mamãe me fez ligar para o meu pai, contar a
notícia e ainda marcar um jantar de comemoração, ao qual ela não poderia estar
presente fisicamente, mas prometeu estar de coração e pensamento.
Ao jantar foram
meu pai, meu irmão, meus padrinhos e a filha deles, uma grande amiga. Minha avó
não quis ir, mas essa altura eu nem ligava mais. Comemos e brindamos pela
felicidade e saúde, as únicas coisas que importam de verdade. Voltei para casa
leve e realizada.
Na manhã seguinte, ouvi minha avó contar, ao
telefone, que estava orgulhosa de mim por eu ter ido bem no vestibular. Quem
diria! E eu que achei que ela não estava nem aí! Depois de terminar a conversa
ela desligou o telefone e passou por mim, sem me olhar nem dizer uma palavra. Não
guardei rancor por isso. Foi suficiente saber que ela tinha prestado atenção à
notícia do primeiro lugar e que estava feliz por mim.
Nem sempre as pessoas conseguem manifestar seus
sentimentos, o que não quer dizer que elas não os sintam. Minha avó é desse
tipo, não parabeniza nem deixar transparecer que está orgulhosa, mas no fundo eu
sei que ela está,e isso me basta. Estou tranquila.
Mamãe sempre se queixa de nunca ter recebido
carinho nem ouvido um “eu te amo” da mãe dela. Eu não sei o que é isso, tenho a
mãe mais carinhosa do mundo. Deve ser mesmo muito ruim não ter um colo, um
beijo, um abraço para acalentar. Mas, ao mesmo tempo, entendo que a vovó tenha repetido
para os filhos a criação que recebeu dos pais (uma dona de casa e um coronel da
marinha, ambos filhos de imigrantes portugueses), que também não diziam “eu te
amo”, embora amassem. Por isso ela não dá carinho em forma de colo, beijo ou
abraço, e sim garantindo que nada material falte em casa.
O amor está nas compras do supermercado, nas horas
de sono perdidas, no jeito hipocondríaco de ser, na preocupação com o casaco, o
horário, a alimentação. Não fosse seu amor, ela não teria se mudado aqui para
casa paradedicar-se a filha. Ela pode estar longe de ser a avó mais carinhosa
do mundo, mas isso não significa que ela não ame a gente. Eu sei que ela ama.
Eu a amo também.
Pronto. Virou livro. Todos os dramas do ressentimento e do perdão aí, uma história sobre Un cielo di viento.
ResponderExcluirO pior dos temporais aduba o jardim.
isadora, eu nao acredito que em algum momento, nem que tenha sido no seu inconsciente, voce tenha tido a intenção de roubar qualquer tipo de atenção! eu concordo com voce, é uma noticia que merecia ser compartilhada, principalmente com a sua mae! e independente do susto, ambas ficaram orgulhosas de voce, tenho certeza
ResponderExcluirA vida é intrigante quando nos traz momentos intensos e opostos... não sei se há algum propósito .... nos proteger ? fortalecer ?
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